Topografias do Olhar
Frente
a um princípio científico estamos inexoravelmente imbuídos de um arcabouço
teórico que compreende a realidade ou aquilo que univocamente entendemos como
verdade. O olhar como método de estudo dos princípios necessários para a descrição
e representação das superfícies é, diante daquela premissa, paradoxal, não
possuindo os meios de quantificação, mensuração ou mesmo de exatidão da coisa
em si, ainda que a perceba no seu todo. E é justamente aí que residem as artes
visuais, no campo flutuante entre palpável e impalpável, analítico e abstrato,
centrado e periférico, materializado e disperso, orgânico e inorgânico.
Nesse
contexto cinco artistas de convívio intenso por um longo tempo vasculharam e
evidenciaram em suas pesquisas artísticas as disparidades formais de suas
criações que, contudo, no lugar de provocarem distanciamentos ou
estranhamentos, criaram pontos de convergência que os uniram oportunamente.
Cada qual, ao seu modo peculiar de encarar o embate frente o ato criador, estabeleceu
parâmetros passíveis de desenvolvimento de um olhar topográfico sobre o mundo
ao redor. Encontramos nas obras de Alexandre Alves o equilíbrio entre o tangível
e o intangível em suas imagens capturadas de um instante. São como flutuações
cromáticas de uma televisão sem sintonia, mas ao congelar o tempo em que elas
se dão, ele tornou possível percebê-las em cada um de seus elementos
constitutivos. Paulo Jorge Gonçalves tem como plataforma de investigação
esmiuçar a simplicidade de determinados elementos num gesto contínuo e
repetitivo, quase à exaustão, evidenciando uma energia pulsante em cada uma
delas as quais trespassa e/ou funde abstrações num contraponto fervoroso que
amplifica o gesto gráfico desse artista. Próximo a essas tratativas propostas
por Paulo encontramos as propostas de trabalho de Gian Shimada que investe boa
parte de suas reflexões nos descartes do próprio circuito de artes, momento que
vincula sua produção ao caráter histórico que a arte possui ao mesmo tempo em
que personaliza uma determinada linha crítica na qual atiça a brasa sobre
questões de circuitos ideológicos cuja ação remonta aos anos da década de 70 do
século passado. Marcelo Oliveira traz para o cenário imagético que constrói toda
a dispersão possível do olhar cotidiano, aquele que se habitua à presença
massiva da ordem que em dado momento o torna simplesmente invisível: são
placas, letreiros, pichações, tudo junto num emaranhado informativo que se
institui não mais por suas diretrizes convencionais, mas pela singularidade
criada pelo acúmulo de ações aleatórias. João Moura, por seu turno, sustenta a
necessidade de reportar topografias do corpo, do homem organicamente presente e
ícone dos acontecimentos, também envolvido com o cotidiano, porém moldando
alegorias contemporâneas, quase cruas em seu relato particular do mundo que vê.
Topografias do Olhar reúnem os relatos de artistas
sensíveis ao seu tempo e abriga a diversidade de formas e conteúdos presentes
nas suas obras, mas é antes de tudo um consenso de se permitir o convívio de
diferentes maneiras de pensar e representar a vida.
Osvaldo Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário